Você é o Que Você Digere (Espiritualmente)

Você não é o que você come, mas sim o que você digere. Se simplesmente consumirmos alimentos sem digeri-los adequadamente, ou de maneira alguma, eles não nos farão bem. Se isto é verdade em termos físicos, é mais ainda nas coisas espirituais. Podemos consumir muita leitura bíblica, apertando-a apressadamente em nossa programação. Nós ouvimos sermões regularmente. Nós lemos e ouvimos muito conteúdo cristão. Mas isso não parece registrar um impacto significativo em nossos corações e vidas. De modo algum é equivalente ao tempo investido. Por que isso acontece? Simplesmente porque não digerimos o que consumimos. O que queremos dizer com digestão espiritual?

É algo sobre o qual poucas pessoas falam nesses dias, mas é vital para nosso crescimento espiritual. É chamado de meditação e a Bíblia fala sobre isso com frequência. Não é esvaziar nossas mentes como sugerem os falsos métodos de meditação. Pelo contrário, é encher a nossa mente com as verdades bíblicas, obtendo o benefício delas, tomando o tempo necessário para aplicá-las a nós mesmos.

A Palavra de Deus é vida e saúde para nós (Provérbios 4:22) e devemos nos alimentar dela (Hebreus 5:12-14; 1 Pedro 2:2; Jeremias 3:15). No entanto, muitas vezes, antes de termos a chance de mastigar e digerir nossa comida espiritual, somos distraídos por algo que nos chama a atenção ou somos desviados por algo que parece importante. Nós temos indigestão espiritual crônica. Nas palavras de John Ball: “Sem meditação, as verdades são devoradas, não digeridas”. Richard Baxter observou pessoas que podiam ir de sermão a sermão e “nunca estão cansadas de ouvir ou ler e ainda assim possuem almas abatidas e desnutridas. Não conheço nenhuma causa mais verdadeira ou maior do que esta: a sua negligência em meditar. Elas têm apetite, mas não fazem digestão”.

Baxter disse de maneira bastante impressionante: “Eu penso que, como um homem tem apenas meia hora para mastigar e tomar em seu estômago uma carne, ele deve ter pelo menos sete ou oito horas para digeri-la; assim, um homem pode ter em sua compreensão e memória mais verdade em uma hora do que é capaz de digerir em muitas horas. Um homem pode comer demais mas não conseguir digerir muito bem”. Ele não se refere a um simples envolvimento intelectual com as Escrituras.

O estômago deve preparar a comida para o fígado e o baço, os quais a prepara para o coração e o cérebro, e assim o entendimento deve ingerir verdades e prepará-las para a vontade, que deve recebê-las e recomendá-las às afeições. Embora a verdade seja apenas uma especulação nadando no cérebro, a alma não a recebeu nem se apoderou dela. Esta é a grande tarefa que temos: levar as verdades das nossas cabeças para os nossos corações.

Não é apenas o que comemos e como comemos; nosso estilo de vida e condição geral também afetam nossa digestão. O mesmo é verdade espiritualmente. Assim como a falha física na digestão pode causar desconforto, levar a complicações médicas, distúrbios e doenças graves – a indigestão espiritual é particularmente danosa.

Meditar nas Escrituras ajuda a nos aplicarmos à Palavra com prazer e também a aplicá-la a nós mesmos completamente. Assim como a comida bem digerida dá os nutrientes e energia necessários ao corpo, a meditação da Palavra absorve-a em nossos corações, vida e experiência para que a pratiquemos. Nathaniel Ranew enfatizou que a meditação “é como o poder de assimilação ou digestão, ajudando a preparar alimentos espirituais, transformando alimento espiritual […] A meditação fortemente nos leva a esta digestão espiritual por suas razões e incentivos, enquanto trabalha o coração em complacência e obediência”. Edmund Calamy explica este princípio mais adiante no seguinte extrato atualizado de seu livro The Art of Divine Meditation [A Arte da Divina Meditação].

1. Digerindo as Coisas do Céu

A santa meditação é morar e permanecer nas coisas que são sagradas. Não é apenas conhecer a Deus e a respeito de Cristo, mas nos concentrarmos nas coisas que conhecemos. Como a abelha visita e permanece na flor para sugar toda a doçura que está nela, assim devemos sugar toda a doçura que pudermos das coisas sobre as quais meditamos.

Meditar é continuar a nos fixarmos, e a nossos corações, nas coisas que conhecemos. As Escrituras mencionam a santa meditação (Salmos 39:3). É comungar com nossos próprios corações (Salmos 4:4). É tanto comungar quanto consultar com nossos próprios corações ou “cair em si” (como em 1 Reis 8:47). A palavra hebraica em 1 Reis 8:47 é: se eles vão trazer de volta os seus corações ou refletir sobre si mesmos. A meditação é um ato reflexivo da alma pelo qual ela é levada de volta para si mesma e considera todas as coisas que ela conhece.

A meditação é um ato espiritual interno da alma, pelo qual olha para trás e considera todas as coisas que dizem respeito à sua felicidade eterna.

Se lê em Levítico 11 acerca dos animais limpos e dos animais impuros. Os animais limpos que poderiam ser comidos eram os que ruminavam. Os animais impuros eram aqueles que não ruminavam. Um cristão que medita é aquele que rumina: mastiga as verdades de Jesus Cristo. Ele não apenas ouve coisas boas, mas quando as ouve, as mastiga e rumina-as. Isto é para que elas possam ser melhores para a digestão e benefício espiritual. Um cristão impuro é aquele que não rumina, não medita e não pondera sobre as coisas do céu.

2. Digerindo Sermões

A razão pela qual todos os sermões que ouvimos não nos fazem mais bem é a falta da divina meditação. É o mesmo com os sermões e com os alimentos. Não é ter comida na sua mesa que vai alimentá-lo, você deve comê-la. Mas você não deve apenas comer, mas digeri-la, ou então sua comida não lhe fará bem. Assim é com os sermões. Não é ouvir sermões que lhe fará bem, mas digeri-los pela meditação. Ponderar em seu coração o que você ouve lhe fará bem. Um sermão bem digerido, bem meditado, é melhor do que vinte sermões sem meditação. Um pouco de comida bem digerida alimentará um homem mais do que uma grande quantidade de comida, se esta não for digerida. Você sabe que muitas horas são necessárias para digerir um pouco de comida ingerida em pouco tempo; então um cristão deve passar muitas horas digerindo um sermão que ele ouve em uma hora.

Alguns vomitam imediatamente qualquer coisa que comem, quando estão com alguma doença. A comida nunca lhes faz bem algum. Isto é o mesmo com muitos de vocês: vocês ouvem um sermão, vão embora e nunca pensam nele depois. Isto é como a comida que você vomita. Alguns têm uma doença que faz com que toda a comida que comem passe por eles e nunca fique com eles. Esta comida nunca os nutre. Assim é, certamente, com os sermões que você ouve nos dias

de semana e no dia do Senhor. Eles passam por você, você os ouve e isso é tudo que você faz. Você nunca procura enraizá-los em seu coração, pela meditação. Esta é a razão pela qual você é tão magro em graça, apesar de estar tão cheio de sermões. Estou convencido de que esta é a grande razão pela qual temos tantos cristãos magros, pobres e famintos. Magros em conhecimento e magros quanto à graça. Eles podem ouvir sermão após sermão, mas eles não digerem nada. Eles nunca ponderam e meditam sobre o que ouvem.

É disso que nosso Salvador, Cristo, fala como a semente que foi semeada ao lado da estrada. Este é alguém que ouve a Palavra e nunca pensa nisso depois que a ouviu. Ele permite ao diabo roubá-la do seu coração. Quando o agricultor semeia a semente na estrada, ele nunca a ara, ele não espera que ela chegue a ser algo. Há muitos de vocês, e dos sermões que ouvem, que são como a semente semeada na estrada. Você nunca a cobre com meditação, você nunca pensa nisso depois que ouviu. Esta é a razão pela qual você não tem proveito algum daquilo que você ouve.

3. Digerindo as Promessas

A razão pela qual as promessas de Deus não afetam mais seu coração e você não sente mais doçura nelas é que você não medita sobre elas. As promessas do evangelho são como confeitos que você não mastiga mas engole tudo, você nunca experimentará nenhuma grande doçura nelas. A maneira de provar a doçura é mastigá-las. As promessas de Deus estão cheias de consolo celestial, mas você nunca desfrutará deste conforto a menos que as mastigue, pela meditação. A menos que as especiarias fiquem machucadas, nunca cheirarão a doce. Os santos de Deus vivem com tão pouco conforto por toda a vida porque não amam essas promessas.

Isso permitirá que você confie nas promessas para o bem de sua alma. A razão pela qual as promessas não são boas para você é porque você as lê, mas não as mastiga, meditando nelas. Se você meditasse sobre elas, elas seriam mais doces do que o mel. Abraão foi o pai dos fiéis e ele foi forte na fé. O que o fez forte em fé? Ele não considerou seu próprio corpo, que agora estava morto, nem o amortecimento do útero de Sara, mas ele considerou a promessa de Deus (Romanos 4:19). A razão pela qual os santos de Deus são tão vazios de conforto, abaixam a cabeça e andam tão desconsoladamente, é que consideram a morte de suas próprias almas e suas imperfeições. Mas eles não meditam nas promessas, na liberdade e nas riquezas deles.

4. Digerindo os Mandamentos de Deus

Nós devemos meditar em Cristo para viver de acordo com a vida de Cristo. Nós devemos meditar em Deus para obedecer aos mandamentos de Deus. A meditação deve entrar em três portas: na compreensão, na vontade, nas afeições e na vida prática. Caso contrário, não tem utilidade. O entendimento ajuda o coração e os afetos como uma mãe ajuda a criança. Ela prepara comida para a criança. Ela a corta para que a criança possa comê-la. Assim, o entendimento prepara as verdades divinas para o coração e afetos, para que o coração possa recebê-las, comê-las e digeri-las. Mas se a mãe come a carne e não dá nada à criança, a criança pode morrer de fome. Assim, embora o entendimento receba as verdades mais gloriosas, se não as transmitir ao coração e às afeições, isso não trará nenhum benefício.

Muitos passam o tempo meditando como uma borboleta se alimenta da flor, isto é, não para ser frutífera e útil. Eles estudam e meditam sobre as coisas divinas (Deus e Cristo, o pecado e as promessas), mas, como não as transmitem ao coração e às afeições, eles não se tornam nem mais santos nem melhores. A verdadeira meditação é esta: quando meditamos em Cristo para nos transformarmos nEle. Quando meditamos em Deus a ponto de amá-Lo e desejá-Lo, regozijamo-nos Nele e vivemos de acordo com Seus mandamentos. Quando meditamos no pecado, o odiamos, o abominamos e nos afastamos dele. Devemos meditar nas promessas de Deus para abraçá-las e recebê-las.

5. Como Digerir

O entendimento prepara as verdades divinas para que as afeições as consumam, as digiram e as transformem em vida santa. Você nunca medita corretamente, a menos que as afeições sejam elevadas, assim como o entendimento. Tanto o coração como a cabeça são as partes que devem ser exercitadas na prática do dever da meditação divina. O trabalho da cabeça ou compreensão é uma consideração séria das verdades sobre as quais passamos a meditar. O trabalho do coração é o aumento da devoção e santidade, por estas meditações.

Eu lhe darei instruções para ajudá-lo na compreensão e afeição a isto: escolha um assunto ou verdade adequada para meditar. Corrija teus pensamentos sobre isso, considere seus diferentes aspectos. Tente lembrar de tudo o que você leu ou ouviu sobre isso. Pense sobre suas causas e efeitos e as coisas que se opõem a ela. Pense no modo como a Escritura descreve isso. Ore a Deus para ter deleite nisto.

Second Reformation Author: Westminster Assembly

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