Nós Realmente Queremos a Reforma Hoje?

Entramos agora no mês da Reforma [outubro], o clímax do 501º aniversário. No meio da comemoração, é possível olharmos tão extensamente mas nos esquecermos de olhar para frente. Em outras palavras, podemos estar inclinados a pensar na Reforma como um evento no passado, em vez de um imperativo presente. Este marco é um ponto para refletirmos sobre onde estamos em relação à Reforma e o que ainda resta a ser alcançado como indivíduos, igrejas e comunidades. Como nossas vidas, famílias e congregações correspondem às exigências de Deus em Sua Palavra? Reforma é uma atividade difícil e inquietante. Desafia nossa complacência e expectativas. Teríamos o apetite por essas coisas como pensamos ter?

A Palavra de Deus é a única regra para reforma. No entanto, o que queremos dizer com isso? Anthony Burgess (1600-1663) explica como a Palavra de Deus tem um papel supremo na obra da reforma. Burgess viveu durante um período de reforma e foi membro da Assembleia de Westminster. Ele ministrou em Sutton Coldfield e escreveu muitos livros valiosos. Infelizmente, estes foram comparativamente negligenciados. O que vem a seguir é um extrato atualizado de um dos seus sermões pregados no Parlamento. Ele mostra que a reforma é difícil, talvez até um trabalho desencorajador, mas também é uma prioridade absoluta que Deus abençoa.

1. O Padrão da Reforma

(a) Reforma na Doutrina

Uma fé sólida é a alma da religião; é como o sol no céu ou como o olho no corpo. O crer e o viver errado andam juntos. Himeneu e Fileto fizeram naufrágio de sua fé e de uma boa consciência (1 Timóteo 2:17). Não podemos edificar qualquer confissão de fé sem extrair os materiais desta montanha. Erro e heresia não têm inimigos comparáveis às Escrituras. Podemos ser tão ortodoxos quanto possível em nossa doutrina, mas se não acreditarmos nessas coisas por causa das Escrituras, é uma fé meramente feita pelo homem. Uma fé meramente humana é baseada na educação e na tradição humana e fica muito aquém da fé divina.

(b) Reforma na Adoração e Disciplina da Igreja

Uma igreja ortodoxa sem boa disciplina e adoração pura é como um campo de milho sem cercas. Que bela igreja teríamos se os mandamentos das Escrituras fossem respeitados. Tudo feito em adoração sem a Palavra de Deus é fazer “o que não sabeis” (João 4:22). A base sobre a qual permitimos que um aspecto da adoração seja meramente de acordo com a nossa vontade, será a mesma base para as demais coisas. Na disciplina e ordem da igreja, um homem profano deveria ser tão raro na igreja quanto uma estrela cadente (2 Tessalonicenses 3:6; 1 Coríntios 5:11).

c) Reforma na Vida Cristã

Somos admoestados pelas Escrituras quanto à nossa vida exterior (Salmos 19:11). As Escrituras são o antídoto contra o pecado. Um jovem pode purificar seus caminhos por elas (Salmos 119: 9). Muitos não consideram este uso das Escrituras; não ousam ter outra doutrina que não seja a das Escrituras, mas ousam viver uma vida diferente daquilo que elas ensinam. Da mesma forma que você acredita no que está escrito, assim você deve viver, tanto o medo quanto a alegria, como está escrito.

(d) Reforma em nosso Coração e Consciência

A Escritura difere de todas as outras regras e leis. Estas apenas nos comprometem exteriormente, mas as Escrituras alcançam o coração e a consciência; “a lei é espiritual” (Romanos 7:14). A lei pode convencer até mesmo um fariseu admirador de si mesmo. Quando esta luz do sol brilha, ela revela todos os pensamentos ocultos do coração, todos aqueles argueiros que de outra forma não seriam vistos.

A Escritura é uma espada de dois gumes (Hebreus 4:12). A eloquência humana não aterroriza a consciência, mas a Palavra de Deus o faz. Faz o coração gritar: “Fui subjugado, subjugado”. É verdade que Deus faz uso da eloquência humana, mas todos devem estar subordinados à Palavra. Como Deus é o Pai dos espíritos, a Palavra é uma palavra de espíritos. Embora o mundo inteiro possa ameaçar, o coração se eleva se a Palavra o conforta; se ela o ameaça, o coração fica desanimado.

(e) O Benefício de Honrar as Escrituras

A regra das Escrituras é o oposto da tradição e do raciocínio e opiniões dos homens. Na maioria das vezes elas se opõem ao apelo e à opinião da maioria. Muitos nunca consideram o que as Escrituras dizem, mas creem, adoram e vivem como a maioria das outras pessoas. Deus nos proibiu explicitamente de “seguir uma multidão para fazer o mal” (Êxodo 23:2).

Se honrarmos as Escrituras como suprema, seremos:

(a) seguros e firmes em nosso caminho; (b) santos e espirituais em nossa vida; (c) teremos paz (Gálatas 6:16); (d) ridicularizados como austeros; (e) considerados estranhos; e (f) odiados.

Para nos beneficiarmos das Escrituras, precisamos:

(a) estar nela frequentemente; (b) orar pela compreensão espiritual; (c) sermos humildes e mansos em nos submetermos a ela; (d) amar a verdade de Deus.

2. Coisas que Impedem a Reforma

(a) Complacência

Há complacência em pensar que não há necessidade de reforma. Este foi o caso dos laodiceianos; eles pensaram que estavam cheios e ricos (Apocalipse 3:18). Muitas igrejas teriam sido mais puras e reformadas se não se considerassem suficientemente reformadas. Pode ser assim com indivíduos. Como Paulo diz, eu não conheceria o pecado, se a lei não dissesse: Não cobiçarás. Uma igreja pode dizer: eu não saberia que isso era um abuso, que isso era um erro, se a Escritura não tivesse manifestado isso.

(b) Pragmatismo

Isso faz com que os homens variem em seus pontos de vista e consciência de acordo com as mudanças de considerações. O que é boa teologia para eles hoje, amanhã é erro; a reforma de hoje é, para eles, a desordem do amanhã.

(c) Moderação Pecaminosa

Como pode ser difícil não aceitar uma reforma coxa e pela metade? As pessoas acham que devemos passar por cima de muitas coisas e prosseguir com cuidado. O rigor da Palavra de Deus é completamente diferente disso. Há uma moderação lícita, mas isso é diferente da moderação pecaminosa.

(d) O Amor pelas Coisas Terrenas

Em Ageu 1:2-10, descobrimos que a preocupação das pessoas em construir suas próprias casas as fez negligenciarem a construção do templo de Deus. Para satisfazer sua cobiça, os fariseus interpretavam as Escrituras de maneira falsa. Se as pessoas preferem perder seu Deus do que sua riqueza, ou abrir mão de sua religião do que de suas riquezas, como elas podem promover a causa de Deus, ou abrir caminho para a vinda de Cristo? Quando os homens podem deleitar-se mais na glória de suas casas do que na beleza espiritual das ordenanças, ou ter mais alegria em seus corações pelo aumento de vinho e azeite do que em Deus e Seus caminhos, não é de admirar que poucos abram caminho para Cristo. Gregório de Nazianzo agradeceu a Deus porque ele tinha alguma coisa a perder por causa de Cristo.

(e) Desejos Pecaminosos

As pessoas ficam muito perturbadas se não podem se satisfazer tanto em suas luxúrias e pecados. Mas você deve se consolar no fato de que Cristo suportou a oposição de pecadores.

(f) Oposição Geral

Pode haver apenas alguns poucos para a reforma, contra muitos grandes e instruídos que se opõem a isso. Lutero confessou que essa não era uma provação pequena para ele: “você é o único sábio, todos os outros estão errados? ”. Mas se isso fosse considerado, então os profetas, Cristo, Lutero, Calvino, nunca teriam começado nenhuma reforma, porque o mundo estava contra eles. Reformas sempre foram julgadas coisas impossíveis. Foi dito a Lutero: “vá orar em sua cela, você não fará nada por comoção”. As pessoas se enfurecem e consultam juntamente para que Cristo não seja exaltado em Seu trono (Salmos 2:1). Mas isso não nos desculpará. É melhor suportar a raiva das pessoas do que a ira de Deus. É melhor ter o olhar severo do mundo do que o de Deus.

g) Novidade Aparente

A verdade vem antes do erro; é o pecado que torna a verdade nova. Ela mostra o quanto apostatamos, tanto que os caminhos de Cristo são até considerados novos. Isto é agora como foi desde o começo. A novidade está no erro e na superstição, quebrando o dia do descanso, negligenciando a piedade.

h) Divisão Aparente

As divisões podem parecer surgir e os erros se multiplicam nesses momentos. Muitos reclamam de várias seitas que surgiram, mas nunca culparam aqueles que as causaram. Esta sempre foi a calúnia impingida à reforma: tantos homens, tantos evangelhos. À Lutero foi frequentemente dito por seus oponentes para não dividir o manto sem emenda de Cristo. Não culpe a reforma por isso (é a única coisa que pode remover essas coisas); culpe aqueles que causaram as divisões.

(i) Problemas Externos e Comoção

Isso geralmente acompanha a reforma. Cristo predisse fogo e espada, pai contra filho e filho contra pai. Isso aconteceria onde quer que Sua pregação pura e poderosa fosse estabelecida. Ele não é a causa disso, mas sim o coração teimoso e rebelde dos homens. Não é o médico ou o remédio que causa a dor que o doente sente, mas a doença que está nele há tanto tempo.

j) Ingratidão

As pessoas frequentemente não estimam ou valorizam aqueles a quem Deus envia para libertá-las. Elas não foram agradecidas a Moisés e Arão. Essa ingratidão é um pecado grosseiro, mas não deve ser desalento para aqueles que estão comprometidos com o bem público. Lutero nos diz quão grande provação isso foi para ele. “Quando vejo isso (ingratidão), às vezes sou quebrado com impaciência e resolvo seriamente: a menos que essa doutrina já estivesse dispersa, eu preferiria ter feito qualquer outra coisa do que declará-la a esse mundo ingrato. Mas estes são os pensamentos da carne ”.

3. Razões para Continuar na Reforma

Mas há muitas razões urgentes pelas quais os reformadores devem continuar.

(a) Deus Pune a Negligência

Porque Deus castigou severamente a negligência de qualquer ordem que Ele tenha dado à Sua igreja. Eles podem ter feito muito, mas se não o fizeram completamente, Sua ira se acendeu. É por isso que você lê tantas vezes sobre os reis: “No entanto, os altos não foram tirados”. O julgamento sobre Nadabe e Abiú por oferecer fogo estranho, a ruptura feita em Uzá, deveriam alertar os reformadores contra a concessão do menor dos mandamentos de Deus. Não pense que você é livre para decidir quanto ou quão pouco deve ser feito para Deus, você é responsável perante Deus por cada jota e cada til.

(b) Deus Odeia Adoração Falsa

Não há nada mais odioso para Ele do que a corrupção em Sua igreja. Que nomes detestáveis as Escrituras dão aos ídolos! Jesus diz em João 4 que o Pai busca aqueles que o adoram em espírito e verdade. Isso mostra quão precioso e agradável para Deus são aqueles que O adoram a Seu próprio modo. Nosso Salvador disse aos fariseus que aquilo que era altamente estimado entre eles como grande piedade e devoção, era uma abominação diante de Deus. Não façamos coisas abomináveis!

(c) É a única maneira de alcançarmos bênçãos

É somente fazendo a vontade do Senhor que temos certeza de bênçãos. A bênção veio quando Josafá estabeleceu aqueles que ensinavam o bom conhecimento de Deus. É verdade que podemos estar no deserto por muito tempo e Deus pode permitir que inimigos prevaleçam por causa dos pecados de Seu próprio povo. Sempre devemos nos lembrar de qual é o fim do Senhor, e observar os fins de toda a reforma, e descobriremos que eles são a paz. Não é a piedade de um homem piedoso que causa muitas de suas tristezas, mas é por ele não ter piedade suficiente. Não é reforma que cria infelicidade em uma igreja ou Estado, mas é porque não somos reformados o suficiente que não estamos dispostos a que isso aconteça.

Deus reformará a Sua igreja por outros meios, se não a promovermos. É a maior honra que Deus já colocou em você. Nestes assuntos de Deus, não consulte a carne e o sangue. Lembre-se de que Ele está comprometido com Sua verdade mais do que você; você tem sua vida e riquezas em jogo, mas Deus tem Sua honra e verdade em jogo, o que vale mais do que o mundo inteiro.

Como você vai responder a Deus no Dia do Julgamento se Ele tiver colocado uma oportunidade em suas mãos e você não tiver feito o melhor uso dela? Tome o exemplo de Davi no Salmo 132, quando ele jurou trazer a arca de volta a um lugar adequado. “Lembre-se de Davi e todos os seus problemas” (literalmente “em toda a sua aflição”, em toda a sua angústia, medo e preocupação quando Deus feriu Uzá e assim o atrapalhou em sua pretensa reforma). Ele não dormia nem comia (hipérbole pelos esforços implacáveis que faria para trazer a arca).

Conclusão

A reforma é necessária em nossos dias, é uma ação e não apenas um acontecimento. Mas não é de modo algum um trabalho fácil. Há muitos desafios, mas para a glória de Deus, nosso bem e o bem da igreja, não devemos apenas querer que isso aconteça, mas nos empenharmos ativamente nisso.

Second Reformation Author: Westminster Assembly

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